TJ-SP determina que seguradora indenize clientes acusados de fraude

terça-feira, 18 de maio de 2010

publicado no site Ultima Instância em 18/05/2010 - 10h20

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) confirmou a sentença de primeira instância que condenou a seguradora Marítima Seguros a indenizar os danos morais e materiais sofridos por clientes da seguradora que deixaram de receber o valor dos seguros contratados por terem sido acusados injustamente de fraude.

O TJ manteve a sentença que condenou a Marítima à publicação da sentença em jornal de grande circulação e à abstenção de induzir, obrigar, sugerir, constranger ou qualquer outra ação que implique renúncia ou desistência por parte do segurado consumidor do seu direito ao recebimento da indenização.

De acordo com a ação civil pública movida pelo Ministério Público e julgada procedente pela juíza da 11ª Vara Cível da Capital, a Marítima se recusava a pagar o valor do seguro a proprietários de carros roubados, alegando a existência de contratos privados de compra e venda de seus veículos firmados no Paraguai, ou de certidões assinadas por policiais militares do Mato Grosso, no sentido de que teriam visto o veículo atravessar a fronteira do Brasil com o Paraguai, antes da data do sinistro.

Com base nessas alegações, a Marítima acusava os clientes de crime de estelionato na modalidade de “fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro”.

Os representantes da seguradora muitas vezes procuraram os segurados e os intimidavam, dizendo que se não desistissem da indenização acabariam presos e processados criminalmente. Como o cliente não desistia de receber o valor do seguro, a seguradora procurava sempre um mesmo distrito policial, apresentava o documento falso e pedia a instauração de inquérito policial.

De acordo com o MP, a Marítima sempre forçava que a discussão se estendesse por mais de um ano, período em que prescrevia o direito do segurado.

O MP identificou, só nos anos de 1999 a 2002, 61 inquéritos policiaisem tramitação no 27º DP da Capital, instaurados a pedido da Marítima, contra os consumidores, sob alegação de fraudes.

Na ação, o MP alegou sérios indícios de que as certidões emitidas pela polícia militar do Mato Grosso eram falsas porque não existe efetivo controle dos veículos que passam pela fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Além disso, demonstrou que os “contratos privados” celebrados em cartórios do Paraguai não possuíam valor legal.

“Diante do aviso de sinistro, a ré (Marítima) buscava soluções ilícitas para se esquivar do pagamento do capital segurado, inclusive invocando documentos estrangeiros (escrituras) de compra e venda falsas lavradas da República do Paraguai”, diz o acórdão do Tribunal de Justiça, cujo relator foi o desembargador Antônio Benedito Ribeiro Pinto.

“Essas condutas violam mormente a boa-fé objetiva, o dever de lealdade para com o segurado", afirmou.

Advocacia Agredida

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira - advogado

Há poucos dias, assistimos estarrecidos à violência cometida contra o advogado Roberto Podval, defensor do casal Nardoni. Com destemor, competência e altivez ele exerceu o sagrado direito de defesa, em nome de acusados que já estavam condenados pela mídia e pela opinião pública. Foi alvo de agressão física e de inúmeras outras de natureza moral, que não o alcançaram por ser ele portador de inatingível dignidade pessoal.

A incompreensão histórica que nos acompanha, e que agora recrudesceu, faz com que os advogados sejam vistos como cúmplices do cliente.

Consideram-nos advogados do crime, e não porta-vozes dos direitos constitucionais e processuais do acusado, que, diga-se, são direitos e garantias de todos e de cada qual. Portanto, violados quaisquer deles num caso concreto, mesmo se tratando de acusado notoriamente culpado, a próxima violação poderá atingir qualquer cidadão, ainda que inocente. Vale repetir à exaustão: nós, advogados, não somos defensores do crime, defendemos a obediência aos direitos e às garantias individuais.

Na atualidade o desprestígio da advocacia atingiu níveis inimagináveis. Pode-se afirmar a ocorrência de algo inédito em nosso país: a advocacia está sendo hostilizada.

Um Estado repressor e policialesco em franca formação, de um lado, e, de outro, uma mídia sedenta de escândalo e tragédia, especializada na teatralização do crime, têm contribuído para a construção de uma imagem negativa da advocacia e, o que é mais grave, têm contribuído para apequenar o próprio direito de defesa. Passou ele a ser considerado como desnecessário, inconveniente, instrumento de chicanas e de ganho para os advogados.

É estranho que a advocacia esteja sendo criticada em aspectos absolutamente comuns a outras profissões, que, no entanto, ficam impunes.

Fala-se que os pobres não podem contratar bons advogados por não poderem pagar os honorários, ficando carentes de assistência jurídica. Admitindo-se como correta a afirmação, também é correto dizer que os pobres são carentes de boa saúde, de adequada educação e de habitação digna. A culpa não é dos advogados, dos médicos ou dos engenheiros, mas sim da trágica desigualdade social que reina no País. Note-se que, no caso da advocacia, os carentes de recursos são assistidos ou pelos não poucos advogados que lhes atendem gratuitamente, ou pelos que, conveniados pelo Estado, lhes prestam assistência e recebem irrisórios honorários do Estado, ou ainda pelos competentes e dedicados defensores públicos.

Verbera-se, ainda, que advogados cobram honorários elevados. Trata-se de uma assertiva que, se verdadeira, não pode ser generalizada, pois a maioria esmagadora dos profissionais (200 mil só em São Paulo) enfrenta grandes dificuldades no mercado de trabalho. De qualquer forma, ela causa espécie. A contratação de honorários é ato bilateral - há quem cobre e há quem aceite e pague. Qual o motivo de estranheza ou de crítica? Para uma sociedade que supervaloriza o ganhar e o ter, em detrimento do ser, tal observação é ridícula, para não dizer hipócrita. Podem ganhar os jogadores de futebol, os artistas, os grandes médicos, cirurgiões plásticos, os arquitetos e decoradores, os empresários, os banqueiros, os jornalistas e apresentadores de TV, etc., etc. No entanto, dos advogados se parece querer exigir trabalho não remunerado.

Antes mesmo de o Estado se organizar tal como o conhecemos hoje havia aqueles que "eram chamados" para emprestar a sua voz - os chamados "boqueiros" - em prol dos que careciam de defesa. É verdade o que se diz: o primeiro advogado foi o primeiro homem que com a sua palavra defendeu um semelhante contra uma injustiça. Sempre fomos e seremos os "boqueiros" daqueles que não têm voz e não têm vez.

Qualquer cidadão, inocente ou culpado, ou titular de uma pretensão, procedente ou improcedente, tem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para se defender e para deduzir a sua postulação. E nós, advogados, somos os agentes do exercício desses direitos perante quaisquer juízos e tribunais, pois exercemos com exclusividade a chamada capacidade postulatória. Somente nós, advogados, temos o poder de movimentar o Judiciário, que é originariamente inerte. No juízo criminal exercemos o direito de defesa, sem o qual o processo nem sequer pode ser instaurado. Somos, pois, o elo entre o povo e a Justiça.

A propósito da defesa no processo penal, mesmo os mais furiosos adeptos de punição contra os acusados deveriam respeitar e defender o direito de defesa, pois sem ele os seus instintos sanguinários nunca poderiam ser satisfeitos, a não ser pela vingança privada.

Nos momentos de ruptura institucional ou de obscurantismo social, os advogados sempre foram desrespeitados e agredidos. Napoleão Bonaparte desejou cortar a língua dos advogados. Durante a Revolução Francesa, Robespierre e o promotor Fouquier-Tinville impediram a atuação dos advogados na defesa dos acusados. Em menos de uma semana houve mais de mil condenações e decapitações. E, durante a Revolução, Malesherbes e Nicolas Barrier foram guilhotinados por exercerem a defesa.

A história recente do Brasil registra a heroica epopeia dos advogados que se opuseram com rara coragem e desprendimento às ditaduras getulista e militar.

Não estamos vivendo hoje um período de ruptura institucional, mas atravessamos triste período de verdadeiro obscurantismo, representado por uma cultura repressiva que se instalou no seio da sociedade e que reflete a intolerância raivosa, a insensatez, o ódio e o desejo de expiação e de vingança. Tais sentimentos não raras vezes atingem a advocacia.

Embora o caminhar seja árduo, e sempre o foi, continuaremos a seguir a nossa saga. Continuaremos a exercer o nosso glorioso ministério de postular pelo direito e pelo justo em nome de terceiros, em benefício da cidadania e da democracia.
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* Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 29/4/2010

Discurso no STF

Do site Migalhas (http://www.migalhas.com.br/)

A posse do ministro Cezar Peluso na presidência do STF e do ministro Ayres Britto, na vice-presidência, ocorrida na última sexta-feira, 23/4, contou com a presença de diversas autoridades.

"Seria difícil traduzir em palavras a intensidade com que vivo esse instante", frisou o novo presidente ao se definir como homem comum, avesso por índole e radical convicção à notoriedade e a autoreverência, mas que se obriga a "fazer praça da imensa honra de chegar, pela via sempre compensadora do trabalho, ao mais elevado posto que transcende uma carreira eleita há mais de quatro décadas como projeto de toda uma vida".

Representando a comunidade jurídica, os "espíritos livres", o advogado Pedro Gordilho saudou o novo presidente e o vice com um aplaudidíssimo discurso.

Para o causídico, Peluso é um juiz da realidade do seu tempo : aprecia os fatos que o cercam e, sempre que necessário, os conhece diretamente antes de decidir.

Já sobre o vice-presidente, o advogado destacou que, para o ministro Ayres Britto, humanidade significa solidariedade social. Disse também que os princípios constitucionais, na visão do ministro, têm parte ativa entre os instrumentos democráticos que tornam concreta essa diretriz.

DISCURSO

Sr. Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal

Sr. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva,

Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer,

Sr Presidente do Senado, Senador José Sarney,

Sr. Procurador-Geral da República Dr. Roberto Gurgel, nomes que pronuncio e destaco e, fazendo-o, homenageio as demais autoridades presentes,

Colega Ophir Cavalcante, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

Senhoras, Senhores,

Colegas Advogadas, colegas advogados

MINISTRO CEZAR PELUSO (*)

Cabe ao veterano advogado militante – sem outros títulos senão o certificado da lixa do tempo, em uma tribuna que felizmente não confere promoção por antiguidade – a incumbência insigne de celebrar os novos dirigentes do Supremo Tribunal Federal, Presidente Cezar Peluso e Vice-Presidente Aires Brito, no pórtico da jornada que se vai iniciar.

Incumbência grata, devo dizer, em razão da afeição que me liga aos homenageados, juízes eminentes e advogado, por certo, mas todos observadores atentos da alma humana e, por isso mesmo, habilitados a depor reciprocamente e com conhecimento acerca das atividades que ilustram os nossos caminhos e das ideias e sentimentos que mais nos uniram na saudável convivência desses últimos anos.

Continuamos contemporâneos do futuro, buscando remédios mais justos e equânimes para as inquietações de nosso tempo. O secular instinto de liberdade e as aspirações de justiça social procuram fundir-se em medidas que superem as contradições sociais e econômicas, agravadas pelas crises financeiras, os contrastes ideológicos e os antagonismos políticos.

Esse Eg. Tribunal fez eco a tais inquietações visíveis em nosso país. Ameaças e abusos que tiveram como molas propulsoras certas forças policiais, alguns setores da Magistratura e do Ministério Público e uma expectativa social muitas vezes proveniente da fragilidade das informações. Mas com pulso forte, sem temer as deturpações dos polemistas de plantão, o Exmo. Sr. Presidente Gilmar Mendes, que conclui seu mandato na Presidência, defendeu com vigor os direitos fundamentais e as garantias individuais. Assim o fez no livre curso do debate forense e, por igual – visando alcançar grande parte da sociedade desinformada –, em oportunas e convincentes entrevistas dadas à imprensa, esclarecendo, em linguagem acessível, o que se passa na intimidade de um julgamento, de uma proposição jurídica, de uma preceituação constitucional.

A nação brasileira muito deve a V. Exa., Ministro Gilmar Mendes, que com seu destemor, sua vasta cultura jurídica e seu intenso labor deixa a Presidência, podendo se envaidecer justamente – sem prejuízo da notável administração que imprimiu à nossa Suprema Corte –, por haver corrigido os rumos de algumas instituições que se achavam à deriva do arcabouço constitucional no plano da observância das garantias que a Constituição reclama.

Não se compreende como se possa construir uma nação vigorosa, em que cidadãos aspirem o bem e a grandeza, pelo aviltamento do homem com o emprego de processos tenebrosos, desligados do sistema legal, que nele procuram sufocar e extinguir o quanto existe de nobre, de belo, de fecundo e criador, para reduzi-lo a um autômato, a um temeroso, acanhado pela degradação moral, arrancando-lhe tudo aquilo que nele mostra superiormente a presença do sopro divino. O nosso canto de vida é, agora mais do que nunca, um canto à justiça e ao Juiz que a torna viva, e o seu refrão há de ser a estrofe de Walt Whitman, em sua exaltação imortal ao juiz (**):

“Grande é a Justiça;

A justiça não é aquela feita por legisladores e leis... está na alma,

Não pode ser alterada por estatutos, não mais que o amor ou o orgulho ou a atração gravitacional, pois a justiça está nos grandes e perfeitos juízes da natureza .... está em suas almas (...)

O juiz perfeito nada teme.... poderia ficar cara a cara com Deus,

Diante do juiz perfeito todos recuam .... vida e morte recuam .... céu e inferno recuam.”

Vossa Excelência, Sr. Ministro Cezar Peluso, assume a Presidência do Supremo Tribunal tendo ao seu lado o Ministro Aires Brito, um humanista, um poeta, que, como profundo conhecedor da constituição brasileira, busca, notadamente nos princípios que orientam e comandam o nosso estatuto fundamental, a resolução para os conflitos judiciais. Posso afirmar que humanidade, no entendimento do Ministro Aires Brito, significa solidariedade social. E os princípios constitucionais, na visão de S. Exa., têm parte ativa entre os instrumentos democráticos que tornam concreta esta diretriz. Com uma visão social abrangente, marcante e didática na interpretação da Constituição, concede-nos a garantia de que o Supremo Tribunal, à luz de sua hermenêutica, estará em permanente alerta às ameaças e abusos praticados pelos outros poderes e nas resoluções dos conflitos.

Do ponto de partida de sua atividade luminosa até atingir a culminância que ora se inicia, V.Exa., Sr. Presidente Cezar Peluso, viveu plenamente, como participante ativo, todas as experiências e aflições do magistrado de carreira.

Iniciou-a em Itapetininga, no distante janeiro de 1968, seguindo-se as Comarcas de São Sebastião, Igarapava, até a Capital paulista, quatro anos após seu ingresso na magistratura.

Por dez longos anos esteve V.Exa. como juiz de primeira instância em São Paulo até a promoção por merecimento para o 2º Tribunal de Alçada Civil, onde oficiou durante quatro anos, sendo promovido, em 14 de abril de 1986, sempre por merecimento, para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Funções e ofícios que foram exercidos sem prejuízo do magistério, atividade intelectual que tanto o encantou e está entre as preferidas de V.Exa.

Marcas vigorosas se mantêm nos textos de sua lavra, desde os primórdios, no exercício da toga, até os dias dos quais somos todos testemunhas: a absoluta correção vocabular, o desdobramento lógico e a fulgurante clareza dos conceitos expressados.

O professor está presente no exercício erudito das teses, na riqueza da pesquisa, na solidez das ideias. Mas na hora da decisão – sem prejuízo das leituras e da cátedra, dos quais promana o denso conhecimento jurídico revelando o notável saber –, o resultado vem pontual com a aplicação do preceito fundamental e o restabelecimento do direito ofendido.

V.Exa. é o Juiz da realidade de seu tempo, aprecia os fatos que lhe cercam e, sempre que necessário – seguindo o exemplo, que a História consagrou, do Chief Justice Warren, conhecendo in faciem o grau de segregação em seu país, antes de dar seu voto decisivo –, V.Exa. também não hesita em conhecer diretamente os fatos visando fortalecer a decisão a ser tomada. Sempre foi assim, desde o início da sua carreira luminosa, como testemunha a obra autobiográfica que encantou o Brasil, Código da Vida, do colega advogado Saulo Ramos.

É esse exercício, raro entre os magistrados, mas tão salutar na construção e renovação do direito, que, ao lado da vasta cultura jurídica, permite-lhe a inabalável segurança com que pronuncia seus votos, na qualidade de relator ou partícipe do debate colegiado. Guardando, sempre, elegância no trato, que se revela na capacidade de ouvir antes de replicar, de reservar a mesma tonalidade – sem demasia no fortíssimo – para a discussão vibrante no respeitoso embate conceitual, que por vezes se estabelece nesse salão venerando.

Em certo momento, fazendo um retrospecto histórico, pude conhecer-lhe ainda melhor a pulsação. Estávamos em 1964. Ferido por uma explosão de insânia, o Des. Edgard de Moura Bittencourt foi punido pela ditadura militar, “condenado à dura pena de afastamento do cargo que foi o sonho realizado de minha mocidade”, como disse o saudoso magistrado em artigo publicado na Folha de São Paulo. Falecido vinte anos depois, coube ao então Juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Cezar Peluso prestar as homenagens merecidas. Em discurso, celebrou-lhe a memória com um dos depoimentos mais pungentes que tenho conhecido, descrevendo o martírio e censurando a crueldade dos então curadores de plantão das instituições brasileiras.

Extraio trechos do discurso pronunciado naquela ocasião pelo Juiz Cezar Peluso:

“De sua vida, entretecida de fios da tragédia grega, martirologio romano e paixão hebraica, fica-nos a imagem imperecível de fidelidade à consciência e aos mais caros ideais da utopia humana. De sua morte uma exigência de reflexão institucional.

Jamais o atraíram os banquetes das oportunidades ou a medíocre rotina dos horizontes acabados. Espírito inquieto, privilegiadamente sensível às angustias e às palpitações da condição humana, conseguiu articular os valores permanentes do Direito com as mutações históricas. Preparou caminhos e antecipou veredas. Esteve além de sua época, como profeta do sentido jurídico. Não admira escandalizasse contemporâneos escravizados a fórmulas vazias e a preconceitos irremovíveis. A final, todo profeta é incomodo a estruturas e a padrões esclerosados.

Para afastar as suspicácias, não lhe bastaram a honradez pessoal, a integra devoção profissional, a sinceridade imperturbável do verbo, nem a romântica exemplaridade do convívio familiar. Mas, já indagara o velho cavaleiro do Palmeirim, “que prestam razões, onde não há razão”? (apud RUI BARBOSA, “Réplica”, vol. 11 pág. 111). A misteriosa iniqüidade, que grava o coração do homem, é insaciável e não o poupou.

Inventaram-lhe o pecado e não houve tempo por lhe inventarem o perdão. Eis a ironia da Historia. Se a alma grandiosa não pede tempo para anistiar e perdoar no ato mesmo da crucifixão, a catarse não prescinde da temporalidade, que é sempre limitada e não raro insuficiente. A Pilatos, Anás e Caifás, faltou-lhes tempo para refazer o tempo. Edgard de Moura Bittencourt não foi reempossado em todos os seus direitos e prerrogativas, nem restituído nos seus sonhos e esperanças.

Foi, no entanto, menos vítima do arbítrio rebelionário que do obscurantismo e intolerância informes, enquanto lhe deturparam as ideias, corromperam intenções, desfiguraram os gestos e conspurcaram a inocência. A tentação maniqueísta, que não desconfia dos enganos próprios e não se fia nas virtudes alheias, prepara, incentiva e preludia as grandes injustiças.”

Eis aí, Senhoras e Senhores, excertos de um depoimento indignado, doloroso, representativo de um período que a Historia jamais purgará, e que deve ser lembrado para que as gerações estejam atentas e oponham a mais severa resistência às tentações totalitárias.

E vem aqui reproduzido, afim de figurar nos anais do Supremo Tribunal a reminiscência histórica de seu Presidente, lembrança amarga de um suplício irreparável.

Uma vez foi a rebelião das massas que se considerava a grande ameaça. Golpes de Estado foram dados sob a falácia da proteção da sociedade organizada contra a subversão. Hoje, em nosso tempo, a principal ameaça vem de alguns que estão no topo da hierarquia social, numa ligação espúria com maus políticos e maus gestores. Esta notável mudança nos acontecimentos confunde muitas de nossas expectativas quanto ao curso da historia.

A democracia está hoje ameaçada não mais pelas massas, mas pela inconsciência das elites. Estas elites recusam-se a aceitar limites ou vínculos com a nação ou com lugares. Ao se isolar em suas redes, dividem a nação e trazem a idéia da existência de uma democracia para todos, fantasiada, para induzir a engodos, com designações falaciosas.

Isso explica porque estamos todos apáticos quanto à cultura comum e desinteressados em discutir política ou votar, escolher os governantes e os representantes legislativos. As elites, tendo se descartado de normas éticas, que a religião lhes proporcionava, e valendo-se da lassidão de alguns Estados, felizmente distantes de nós, agarram-se à crença de que, através da ciência e do lucro abusivo, associadas aos maus políticos, é possível dominar seu destino e escapar dos limites. E na busca desta fantasia, ficam fascinadas pela economia global. É uma rebelião que infortunadamente está acabando com tudo o que vale a pena no mundo ocidental e somente poderá ser contida eficazmente pela indelegável ação do Estado, como temos felizmente podido testemunhar em nossos dias.

Ao Supremo Tribunal Federal cabe significativa parcela nesse quadrante de nossa história contemporânea. Na Apologia de Sócrates Platão ressalta: “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo a lei.” Mas há um conceito divergente, muito menos rígido, que busca conciliar o imperativo da lei, aprisionado nos códigos e na jurisprudência, com a percepção de uma realidade política e social essencialmente dinâmica. É um conceito que quebra o entrave do tecnicismo exacerbado, em beneficio da causa dos direitos humanos, das liberdades publicas e do equilíbrio social.

Muito mais do que garimpar textos e, com a ajuda de poderosas lupas, revolver – com as louváveis exceções de sempre – o que já passou, o que todos esperamos é que o Tribunal continue em harmonia com o sentimento nacional, fazendo viva a expressão de V.Exa. Presidente Cezar Peluso, dirigida aos novos Juízes, ao ressaltar em linguagem elevada, brilhante e sentenciosa: “A força do Judiciário é a força da própria sociedade civil, da qual é interprete.”

O Tribunal, assim, haverá de manter seu saudável equilíbrio, sintonizado com a política e ao mesmo tempo desligado dela, como tem sido no curso de sua longa historia, mostrando a todos quantos se envolveram na pesquisa dos fatos notáveis – que oferecem o grandioso cenário das muitas décadas vencidas –, que, ao contrario de uma famosa catilinária, muitas vezes repetida e sempre sem razão, foi o poder que menos faltou à república brasileira.

Há três milênios o Livro da Sabedoria adverte as gerações porvindouras, conturbadas ou felizes, na desordem ou na paz, que “a justiça é perpetua e imortal”. Guardemos, todos, a certeza de que teremos no comando do poder judiciário brasileiro o juiz que irá propagar esse principio de todos os tempos, o juiz cristão e amigo da verdade, como o queria a virtude teologal, e com todos atributos reclamados para a grandeza de seu sacerdócio, integro em julgar, integro em ouvir, servo da razão, da equidade e da tolerância, incansável no labor, e sobre quem – com o testemunho de Dra. Lucia de Toledo Piza Peluso, a esposa, a companheira querida da vida inteira, dos filhos Vinicius, Glais, Érica e Luciana, da nora, dos genros e dos netos – fazemos recair agora a brilhante imagem com a qual Rui Barbosa, o nosso pontífice maior, desvelou-se por inteiro diante da nação brasileira: “Às majestades da força nunca me inclinei. Mas sirvo às do Direito. Sirvo ao merecimento. Sirvo à razão. Sirvo à lei. Sirvo a minha Pátria. São essas as que eu reconheço neste mundo.”

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(*) Discurso pronunciado no Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 23.4.10, pelo advogado Pedro Gordilho, por ocasião da solenidade de posse do Ministro Cezar Peluso na Presidência.

(**) “Great is Justice;

Justice is not settled by legislators and laws … it is in the soul,
It cannot be varied by statutes any more than love or pride or the attraction of gravity can,
It is immutable.. it does not depend on majorities…. majorities or what not come
at last before the same passionless and exact tribunal.
For justice are the grand natural lawyers and perfect judges …. it is in their souls,
It is well assorted …. They have not studied for nothing …. The great includes the less,
They rule on the highest grounds…. They oversee all eras and states and administrations,
The perfect judge fears nothing…. He could go front to front before God,
Before the perfect judge all shall stand back…. Life and death shall stand back
…. heaven and hell shall stand back.”
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Referencias bibliográficas

• Anuário da Justiça 2010, Consultor Jurídico / FAAP

• Barrington Moore, Jr. Injustiça, As bases sociais da obediência e da revolta, Ed. Brasileira, 1987, trad. João Roberto Martins Filho.

• Cezar Peluso, Uma Palavra aos Novos Juízes, Ass. Paulista de Magistrados, Ribeirão Preto, 1994.

• Christopher Lasch, A Rebelião das Elites e a traição da democracia, Ediouro, 1995, trad. de Talita M. Ridrigues.

• Discurso proferido pelo então Juiz Cezar Peluso em memória ao Des. Edgard de Moura Bittencourt, Diário Oficial do Estado de São Paulo. Justiça. 18.1.1984, p. 16.

• Emilia Viotti da Costa, O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, Ed. Ieje, 2001

• Moura Bittencourt, De juiz a réu indefeso, Folha de São Paulo, 14.6.64

• R. Jahanbegloo, Isaiah Berlin: Com toda liberdade, Ed. Perspectiva 1996, trad. Fany Kon

• Rui Barbosa, A Questão Social e Política no Brasil, Simões Editor, Rio, 1958.

• Saulo Ramos, Código da Vida, Ed. Planeta, 10ª Reimpressão, 2008.

• Walt Whitman, Folhas de Relva, Ed. Bilíngüe, Iluminuras, trad. e posfacio de Rodrigo Garcia Lopes, 2005.

O acesso à Justiça e o filho do marceneiro

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Desembargador Palma Bisson, do TJSP.

Por: Carlos José Reis de Almeida - advogado

O Direito é uma das condições essenciais à vida dos homens. A convivência social exige imposição de limites, harmonia, equilíbrio, ordem, que são funções próprias do Direito. O advogado guarda íntima relação com o Direito por ser o seu maior cultor e o mais atento vigia das instituições jurídicas. Paladino dos injustiçados, guardião da legalidade, elemento indispensável à administração da justiça, são alguns dos conceitos destinados pela tradição aos advogados.

As emoções que permeiam a vida do advogado se situam entre tristezas e heroísmos, e sua atuação deve estar sempre dirigida à obtenção de respeito e confiança por parte da sociedade. Ao advogado compete construir o caminho para que o cidadão – seu constituinte - alcance a Justiça. O italiano Piero Calamandrei, um dos mais renomados advogados da história, dizia que para encontrar a justiça é necessário ser-lhe fiel, pois, como todas as divindades, ela só se manifesta a quem nela crê. Por sua vez, prossegue Calamandrei, o juiz é o direito feito homem. “Só desse homem posso esperar, na vida prática, aquela tutela que em abstrato a lei me promete. Só se esse homem for capaz de pronunciar a meu favor a palavra da justiça, poderei perceber que o direito não é uma sombra vã. Por isso, indica-se na iustitia, e não simplesmente no ius, o verdadeiro fundamento regnorum – pois se o juiz não for vigilante, a voz do direito permanecerá evanescente e distante, como as inalcançáveis vozes dos sonhos” (Eles, Os Juízes, Vistos por um Advogado – Ed. Martins Fontes, página 12).

O grande legislador ateniense Sólon certa vez foi inquirido sobre a forma ideal de Estado, ao que respondeu: “aquela em que são honrados os bons e castigados os maus. Feliz é o Estado em que os cidadãos respeitam os juízes e estes respeitam as leis”. A principal incumbência da magistratura, portanto, reside em fazer respeitar as leis e interpretá-las de maneira imparcial e honesta quando alguém se desvia do seu normal cumprimento. Há uma passagem célebre da história ocorrida na Prússia governada por um déspota chamado Frederico II (1712-1786), que queria obrigar um moleiro a vender seu moinho para a construção de um parque. Recusando-se à venda o moleiro despertou a ira do tirano, que ameaçou confiscar sua propriedade. O camponês reagiu com coragem: “Não temo tuas ameaças, pois ainda há juízes em Berlim”.

Além da virtude da coragem o juiz também precisa usar de fina sensibilidade para avaliar as questões propostas, atentando para o fato de que além dele magistrado, outras partes integram o processo (advogados, partes, Ministério Público, peritos), cada qual cumprindo importantes papéis que merecem respeito absoluto e irrestrita dedicação.

Ao lado das medidas necessárias ao aperfeiçoamento do Judiciário, o acesso à justiça é um tema de que ganhou grande repercussão nos últimos tempos. Compõe-se de propostas que convidam a uma ampla reflexão sobre o funcionamento da justiça, visando facilitar o acesso do povo ao atendimento de suas aspirações pelas autoridades judicantes. O Desembargador paulista José Renato Nalini – autor de importante obra sobre o assunto – entende que o juiz, apesar de ser o operador que mais se atormente com a questão, não é o único responsável pela ampliação do acesso à Justiça. É preciso buscar auxílio noutras participações importantes, como o Ministério Público, a advocacia, os doutrinadores, os professores universitários e a própria sociedade civil, permitindo que outras experiências contribuam para ampliar o acesso à Justiça.

Prefaciando o trabalho do Desembargador Nalini, o Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Veloso registra: “conheço juízes que proferem magníficas sentenças e votos, que estão com o serviço em dia. São excelentes juízes, mas ficam apenas nisto. Outros, que também proferem sentenças e votos notáveis, vão mais longe. Percebem que a Justiça é lenta, emperrada, distante do povo, com o que não se conformam. Querem, então, melhorá-la, querem-na atuante, viva, fazendo felizes as pessoas. Estes são os verdadeiros juízes, os grandes juízes...” (O Juiz e o Acesso à Justiça – Ed. RT, 1994, página 3).

Encontrar decisões que refletem a grandeza desses magistrados, para nós advogados que militamos no dia-a-dia das causas que envolvem o sofrimento e o desespero das pessoas cujo acesso à Justiça é dificultado por uma série de obstáculos – estes muitas vezes criados pelo próprio Judiciário -, é um bálsamo que alivia e conforta. São exemplos que nos renova o espírito e nos incentiva a manter a luta pela busca de Justiça para os que dela necessitam.

Foi o que exatamente aconteceu quando tomei conhecimento de decisão do Desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado contra despacho de um magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.

Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por advogado particular. A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do Desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário. Transcrevo a íntegra do voto:

“É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.

Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.

Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.

O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.

Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.

Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.

Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...

Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.

Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.

É como marceneiro voto.

PALMA BISSON - Relator Sorteado”

Que a riqueza desta lição possa orientar servidores, advogados, promotores de justiça e magistrados na busca de melhores dias e de melhores resultados para o nosso Poder Judiciário.

Os Dez Mandamentos

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Da Revista Carta Maior (http://www.cartamaior.com.br/)

Os Mandamentos abaixo elencados têm um denominador comum: todos já foram experimentados e estão sendo aplicados em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável. O artigo é de Ladislau Dowbor.

Ladislau Dowbor - Data: 07/04/2010

Como sociedade, desejamos não somente sobreviver, mas viver com qualidade de vida, e porque não, com felicidade. E isto implica elencarmos de forma ordenada os resultados mínimos a serem atingidos, com os processos decisórios correspondentes. Os Mandamentos abaixo elencados têm um denominador comum: todos já foram experimentados e estão sendo aplicados em diversas regiões do mundo, setores ou instâncias de atividade. São iniciativas que deram certo, e cuja generalização, com as devidas adaptações e flexibilidade em função da diversidade planetária, é hoje viável. Não temos a ilusão relativamente à distância entre a realidade política de hoje e as medidas sistematizadas abaixo. Mas pareceu-nos essencial, de toda forma, elencar de forma organizada as medidas necessárias, pois ter um norte mais claro ajuda na construção de uma outra governança planetária. Não estão ordenadas por ordem de importância, pois a maioria tem implicações simultâneas e dimensões interativas. Mas todos os mandamentos deverão ser obedecidos, pois a ira dos elementos nos atingirá a todos, sem precisar esperar a outra vida.

Considerando que a obediência à versão original dos Dez Mandamentos foi apenas aleatória, desta vez o Autor teve a prudência de acrescentar a cada Mandamento uma nota de explicação, destinada em particular aos impenitentes.

I – Não comprarás os Representantes do Povo

Resgatar a dimensão pública do Estado: Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem se é o dinheiro das corporações a regular que elege os reguladores? Se as agências que avaliam risco são pagas por quem cria o risco? Se é aceitável que os responsáveis de um banco central venham das empresas que precisam ser reguladas, e voltem para nelas encontrar emprego?

Uma das propostas mais evidentes da última crise financeira, e que encontramos mencionada em quase todo o espectro político, é a necessidade de se reduzir a capacidade das corporações privadas ditarem as regras do jogo. A quantidade de leis aprovadas no sentido de reduzir impostos sobre transações financeiras, de reduzir a regulação de banco central, de autorizar os bancos a fazerem toda e qualquer operação, somado com o poder dos lobbies financeiros tornam evidente a necessidade de se resgatar o poder regulador do estado, e para isto os políticos devem ser eleitos por pessoas de verdade, e não por pessoas jurídicas, que constituem ficções em termos de direitos humanos. Enquanto não tivermos financiamento público das campanhas, políticas que representem os interesses dos cidadãos, prevalecerão os interesses econômicos de curto prazo, os desastres ambientais e a corrupção.

II – Não Farás Contas Erradas

As contas têm de refletir os objetivos que visamos. O PIB indica a intensidade do uso do aparelho produtivo, mas não nos indica a utilidade do que se produz, para quem, e com que custos para o estoque de bens naturais de que o planeta dispõe. Conta como aumento do PIB um desastre ambiental, o aumento de doenças, o cerceamento de acesso a bens livres. O IDH já foi um imenso avanço, mas temos de evoluir para uma contabilidade integrada dos resultados efetivos dos nossos esforços, e particularmente da alocação de recursos financeiros, em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. As metodologias existem, aplicadas parcialmente em diversos países, setores ou pesquisas.

A ampliação dos indicadores internacionais como o IDH, a generalização de indicadores nacionais como os Calvert-Henderson Quality of Life Indicators nos Estados Unidos, as propostas da Comissão Stiglitz/Sen/Fitoussi, o movimento FIB – Felicidade Interna Bruta – todos apontam para uma reformulação das contas. A adoção em todas as cidades de indicadores locais de qualidade de vida – veja-se os Jacksonville Quality of Life Progress Indicators – tornou-se hoje indispensável para que seja medido o que efetivamente interessa: o desenvolvimento sustentável, o resultado em termos de qualidade de vida da população. Muito mais do que o produto (output), trata-se de medir o resultado (outcome).

III – Não Reduzirás o Próximo à Miséria

Algumas coisas não podem faltar a ninguém. A pobreza crítica é o drama maior, tanto pelo sofrimento que causa em si, como pela articulação com os dramas ambientais, o não acesso ao conhecimento, a deformação do perfil de produção que se desinteressa das necessidades dos que não têm capacidade aquisitiva. A ONU calcula que custaria 300 bilhões de dólares (no valor do ano 2000) tirar da miséria um bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. São custos ridículos quando se considera os trilhões transferidos para grupos econômicos financeiros no quadro da última crise financeira. O benefício ético é imenso, pois é inaceitável morrerem de causas ridículas 10 milhões de crianças por ano. O benefício de curto e médio prazo é grande, na medida em que os recursos direcionados à base da pirâmide dinamizam imediatamente a micro e pequena produção, agindo como processo anticíclico, como se tem constatado nas políticas sociais de muitos países. No mais longo prazo, será uma geração de crianças que terão sido alimentadas decentemente, o que se transforma em melhor aproveitamento escolar e maior produtividade na vida adulta. Em termos de estabilidade política e de segurança geral, os impactos são óbvios. Trata-se do dinheiro mais bem investido que se possa imaginar, e as experiências brasileira, mexicana e de outros países já nos forneceram todo o know-how correspondente. A teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente desmentida pelos fatos: sair da miséria estimula, e o dinheiro é simplesmente mais útil onde é mais necessário.

IV – Não Privarás Ninguém do Direito de Ganhar o seu Pão

Universalizar a garantia do emprego é viável. Toda pessoa que queira ganhar o pão da sua família deve poder ter acesso ao trabalho. Num planeta onde há um mundo de coisas a fazer, inclusive para resgatar o meio ambiente, é absurdo o número de pessoas sem acesso a formas organizadas de produzir e gerar renda. Temos os recursos e os conhecimentos técnicos e organizacionais para assegurar, em cada vila ou cidade, acesso a um trabalho decente e socialmente útil. As experiências de Maharashtra na Índia demonstraram a sua viabilidade, como o mostram as numerosas experiências brasileiras, sem falar no New Deal da crise dos anos 1930. São opções onde todos ganham: o município melhora o saneamento básico, a moradia, a manutenção urbana, a policultura alimentar. As famílias passam a poder viver decentemente, e a sociedade passa a ser melhor estruturada e menos tensionada. Os gastos com seguro-desemprego se reduzem. No caso indiano, cada vila ou cidade é obrigada a ter um cadastro de iniciativas intensivas em mão de obra.

Dinheiro emprestado ou criado desta forma representa investimento, melhoria de qualidade de vida, e dá excelente retorno. E argumento fundamental: assegura que todos tenham o seu lugar para participar na construção de um desenvolvimento sustentável. Na organização econômica, além do resultado produtivo, é essencial pensar no processo estruturador ou desestruturador gerado. A pesca oceânica industrial pode ser mais produtiva em volume de peixe, mas o processo é desastroso, tanto para a vida no mar como para centenas de milhões de pessoas que viviam da pesca tradicional. A dimensão de geração de emprego de todas as iniciativas econômicas tem de se tornar central. Assegurar a contribuição produtiva de todos, ao mesmo tempo que se augmenta gradualmente o salário mínimo e se reduz a jornada, leva simplesmente a uma prosperidade mais democrática.

V – Não Trabalharás Mais de Quarenta Horas

Podemos trabalhar menos, e trabalharemos todos, com tempo para fazermos mais coisas interessantes na vida. A sub-utilização da força de trabalho é um problema planetário, ainda que desigual na sua gravidade. No Brasil, conforme vimos, com 100 milhões de pessoas na PEA, temos 31 milhões formalmente empregadas no setor privado, e 9 milhões de empregados públicos. A conta não fecha. O setor informal situa-se na ordem de 50% da PEA. Uma imensa parte da nação “se vira” para sobreviver. No lado dos empregos de ponta, as pessoas não vivem por excesso de carga de trabalho. Não se trata aqui de uma exigência de luxo: são incontáveis os suicídios nas empresas onde a corrida pela eficiência se tornou simplesmente desumana. O stress profissional está se tornando uma doença planetária, e a questão da qualidade de vida no trabalho passa a ocupar um espaço central. A redistribuição social da carga de trabalho torna-se hoje uma necessidade. As resistências são compreensíveis, mas a realidade é que com os avanços da tecnologia os processos produtivos tornam-se cada vez menos intensivos em mão de obra, e reduzir a jornada é uma questão de tempo. Não podemos continuar a basear o nosso desenvolvimento em ilhas tecnológicas ultramodernas enquanto se gera uma massa de excluídos, inclusive porque se trata de equilibrar a remuneração e, consequentemente, a demanda. A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida.

VI – Não Viverás para o Dinheiro

A mudança de comportamento, de estilo de vida, não constitui um sacrifício, e sim um resgate do bom senso. Neste planeta de 7 bilhões de habitantes, com um aumento anual da ordem de 75 milhões, toda política envolve também uma mudança de comportamento individual e da cultura do consumo. O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais.

No apagão energético do final dos anos 90 no Brasil, constatou-se como uma boa campanha informativa, o papel colaborativo da mídia, e a punição sistemática dos excessos permitiu uma racionalização generalizada do uso doméstico da energia. Esta dimensão da solução dos problemas é essencial, e envolve tanto uma legislação adequada, como sobretudo uma participação ativa da mídia.

Hoje 95% dos domicílios no Brasil têm televisão, e o uso informativo inteligente deste e de outros meios de comunicação tornou-se fundamental. Frente aos esforços necessários para reequilibrar o planeta, não basta reduzir o martelamento publicitário que apela para o consumismo desenfreado, é preciso generalizar as dimensões informativas dos meios de comunicação. A mídia científica praticamente desapareceu, os noticiários navegam no atrativo da criminalidade, quando precisamos vitalmente de uma população informada sobre os desafios reais que enfrentamos. A pergunta a se fazer a cada ato de conusmo, não é só se “é bom para mim”, mas se é bem para o planeta e o bem comum, e buscar um equilíbrio razoável. A opção individual é essencial, mas não suficiente.

Grande parte da mudança do comportamento individual depende de ações públicas: as pessoas não deixarão o carro em casa (ou deixarão de tê-lo) se não houver transporte público, não farão reciclagem se não houver sistemas adequados de coleta. Precisamos de uma política pública de mudança do comportamento individual.

VII – Não Ganharás Dinheiro com o Dinheiro dos Outros

Racionalizar os sistemas de intermediação financeira é viável. A alocação final dos recursos financeiros deixou de ser organizada em função dos usos finais de estímulo e orientação de atividades econômicas e sociais, para obedecer às finalidades dos próprios intermediários financeiros. A atividade de crédito é sempre uma atividade pública, seja no quadro das instituições públicas, seja no quadro dos bancos privados que trabalham com dinheiro do público, e que para tanto precisam de uma carta-patente que os autorize a ganhar dinheiro com dinheiro dos outros. A recente crise financeira de 2008 demonstrou com clareza o caos que gera a ausência de mecanismos confiáveis de regulação no setor. Nas últimas duas décadas, temos saltado de bolha em bolha, de crise em crise, sem que a relação de forças permita a reformulação do sistema de regulação em função da produtividade sistêmica dos recursos. Enquanto não se gera uma relação de forças mais favorável, precisamos batalhar os sistemas nacionais de regulação financeira. O dinheiro não é mais produtivo onde rende mais para o intermediário: devemos buscar a produtividade sistêmica de um recurso que é público.

A Coréia do Sul abriu recentemente um financiamento de 36 bilhões de dólares para financiar transporte coletivo e alternativas energéticas, gerando com isto 960 mil empregos. O impacto positivo é ambiental pela redução de emissões, é anti-cíclico pela dinamização da demanda, é social pela redução do desemprego e pela renda gerada, é tecnológico pelas inovações que gera nos processos produtivos mais limpos. Tem inclusive um impacto raramente considerado, que é a redução do tempo vida que as pessoas desperdiçam no transporte. Trata-se aqui, evidentemente, de financiamento público, pois os bancos comerciais não teriam esta preocupação, nem esta visão sistêmica. (UNEP,Global Green New Deal, 2009). Em última instância, os recursos devem ser tornados mais acessíveis segundo que os objetivos do seu uso sejam mais produtivos em termos sistêmicos, visando um desenvolvimento mais inclusivo e mais sustentável. A intermediação financeira é um meio, não é um fim.

Particular atenção precisa ser dada aos intermediários que ganham apenas nos fluxos entre outros intermediários – com papéis que representam direitos sobre outros papéis – e que têm tudo a ganhar com a maximização dos fluxos, pois são remunerados por comissões sobre o volume e ganhos, e geram portanto volatilidade e pro-ciclicidade, com os monumentais volumes que nos levaram por exemplo a valores em derivativos da ordem de 863 trilhões de dólares em junho de 2008, 15 vezes o PIB mundial. A intermediação especulativa – diferentemente das intermediação de compras e vendas entre produtores e utilizadores finais – apenas gera uma pirâmide especulativa e insegurança, além de desorganizar os mercados e as políticas econômicas (1).

VIII – Não Tributarás Boas Iniciativas

A filosofia do imposto, de quem se cobra, e a quem se aloca, precisa ser revista. Uma política tributária equilibrada na cobrança, e reorientada na aplicação dos recursos, constitui um dos instrumentos fundamentais de que dispomos, sobretudo porque pode ser promovida por mecanismos democráticos. O eixo central não está na redução dos impostos, e sim na cobrança socialmente mais justa e na alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. A taxação das transações especulativas (nacionais ou internacionais) deverá gerar fundos para financiar uma série de políticas essenciais para o reequilíbrio social e ambiental. O imposto sobre grandes fortunas é hoje essencial para reduzir o poder político das dinastias econômicas (10% das famílias do planeta é dono de 90% do patrimônio familiar acumulado no planeta). O imposto sobre a herança é fundamental para dar chances a partilhas mais equilibradas para as sucessivas gerações. O imposto sobre a renda deve adquirir mais peso relativamente aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda. É importante lembrar que as grandes fortunas do planeta em geral estão vinculadas não a um acréscimo de capacidades produtivas do planeta, e sim à aquisição maior de empresas por um só grupo, gerando uma pirâmide cada vez mais instável e menos governável de propriedades cruzadas, impérios onde a grande luta é pelo controle do poder financeiro, político e midiático, e a apropriação de recursos naturais.

O sistema tributário tem de ser reformulado no sentido anti-cíclico, privilegiando atividades produtivas e penalizando as especulativas; no sentido do maior equilíbrio social ao ser fortemente progressivo; e no sentido de proteção ambiental ao taxar emissões tóxicas ou geradoras de mudança climática, bem como o uso de recursos naturais não renováveis (2).

O poder redistributivo do Estado é grande, tanto pelas políticas que executa – por exemplo as políticas de saúde, lazer, saneamento e outras infra-estruturas sociais que melhoram o nível de consumo coletivo – como pelas que pode fomentar, como opções energéticas, inclusão digital e assim por diante. Fundamental também é a política redistributiva que envolve política salarial, de previdência, de crédito, de preços, de emprego.

A forte presença das corporações junto ao poder político constitui um dos entraves principais ao equilíbrio na alocação de recursos. O essencial é assegurar que todas as propostas de alocação de recursos sejam analisadas pelo triplo enfoque econômico, social e ambiental. No caso brasileiro, constatou-se com as recentes políticas sociais (“Bolsa-Família”, políticas de previdência etc.) que volumes relativamente limitados de recursos, quando chegam à “base da pirâmide”, são incomparavelmente mais produtivos, tanto em termos de redução de situações críticas e consequente aumento de qualidade de vida, como pela dinamização de atividades econômicas induzidas pela demanda local. A democratização aqui é fundamental. A apropriação dos mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas.

IX – Não Privarás o Próximo do Direito ao Conhecimento

Travar o acesso ao conhecimento e às tecnologias sustentáveis não faz o mínimo sentido. A participação efetiva das populações nos processos de desenvolvimento sustentável envolve um denso sistema de acesso público e gratuito à informação necessária. A conectividade planetária que as novas tecnologias permitem constitui uma ampla via de acesso direto. O custo-benefício da inclusão digital generalizada é simplesmente imbatível, pois é um programa que desonera as instâncias administrativas superiores, na medida em que as comunidades com acesso à informação se tornam sujeitos do seu próprio desenvolvimento. A rapidez da apropriação deste tipo de tecnologia até nas regiões mais pobres se constata na propagação do celular, das lan houses mais modestas. O impacto produtivo é imenso para os pequenos produtores que passam a ter acesso direto a diversos mercados tanto de insumos como de venda, escapando aos diversos sistemas de atravessadores comerciais e financeiros. A inclusão digital generalizada é um destravador potente do conjunto do processo de mudança que hoje se torna indispensável.

O mundo frequentemente esquece que 2 bilhões de pessoas ainda cozinham com lenha, área em que há inovações significativas no aproveitamento calórico por meio de fogões melhorados. Tecnologias como o sistema de cisternas do Nordeste, de aproveitamento da biomassa, de sistemas menos agressivos de proteção dos cultivos etc., constituem um vetor de mudança da cultura dos processos produtivos. A criação de redes de núcleos de fomento tecnológico online, com ampla capilaridade, pode se inspirar da experiência da Índia, onde foram criados núcleos em praticamente todas as vilas do país. O World Economic and Social Survey 2009 é particularmente eloquente ao defender a flexibilização de patentes no sentido de assegurar ao conjunto da população mundial o acesso às informações indispensáveis para as mudanças tecnológicas exigidas por um desenvolvimento sustentável.

X – Não Controlarás a Palavra do Próximo

Democratizar a comunicação tornou-se essencial. A comunicação é uma das áreas que mais explodiu em termos de peso relativo nas transformações da sociedade. Estamos em permanência cercados de mensagens. As nossas crianças passam horas submetidas à publicidade ostensiva ou disfarçada. A indústria da comunicação, com sua fantástica concentração internacional e nacional - e a sua crescente interação entre os dois níveis - gerou uma máquina de fabricar estilos de vida, um consumismo obsessivo que reforça o elitismo, as desigualdades, o desperdício de recursos como símbolo de sucesso. O sistema circular permite que os custos sejam embutidos nos preços dos produtos que nos incitam a comprar, e ficamos envoltos em um cacarejo permanente de mensagens idiotas pagas do nosso bolso. Mais recentemente, a corporação utiliza este caminho para falar bem de si, para se apresentar como sustentável e, de forma mais ampla, como boa pessoa. O espectro eletromagnético em que estas mensagens navegam é público, e o acesso a uma informação inteligente e gratuita para todo o planeta, é simplesmente viável. Expandindo gradualmente as inúmeras formas alternativas de mídia que surgem por toda parte, há como introduzir uma cultura nova, outras visões de mundo, cultura diversificada e não pasteurizada, pluralismo em vez de fundamentalismos religiosos ou comerciais.

O fato que mais inspira esperança é a multiplicação impressionante de iniciativas nos planos da tecnologia, dos sistemas de gestão local, do uso da internet para democratizar o conhecimento, da descoberta de novas formas de produção menos agressivas, de formas mais equilibradas de acesso aos recursos. O Brasil neste plano tem mostrado que começar a construir uma vida mais digna para o “andar de baixo”, para os dois terços de excluídos, não gera tragédias para os ricos. Inclusive, numa sociedade mais equilibrada, todos passarão a viver melhor. Tolerar um mundo onde um bilhão de pessoas passam fome, onde 10 milhões de crianças morrem anualmente de causas ridículas, e onde se dilapidam os recursos naturais das próximas gerações, em proveito de fortunas irresponsáveis, já não é possível.

Nesta época interativa, o Altíssimo declarou-se disposto a considerar outros Mandamentos. Sendo o Secretariado do Altíssimo hoje bem equipado, os que por acaso tenham sugestões ou necessitem consultar documentos mais completos, poderão se instruir com outros Assessores, em linha direta sob www.criseoportunidade.wordpress.com. Críticas, naturalmente, deverão ser endereçadas a Instâncias Superiores. Apreciações positivas e sugestões de outros Mandamentos poderão ser enviadas ao blog acima citado, ou no e-mail ladislau@dowbor.org

NOTAS

(1) BIS Quarterly Review, December 2008, Naohiko Baba et al., www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt0812b.pdf p. 26: “In November, the BIS released the latest statistics based on positions as at end-june 2008 in the global over-the-counter (OTC) derivatives markets. The notional amounts outstanding of OTC derivatives continued to expand in the first half of 2008. Notional amounts of all types of OTC contracts stood at $863 trillion at the end of June, 21% higher than six months before”. São 863 trilhões de dólares de derivativos emitidos, frente a um PÌB mundial de cerca de 60 trilhões.



(2) Susan George traz uma ilustração convincente: um bilionário que aplica o seu dinheiro com uma conservadora remuneração de 5% ao ano, aumenta a sua fortuna em 137 mil dólares por dia. Taxar este tipo de ganhos não é “aumentar os impostos”, é corrigir absurdos.

Ford é obrigada a indenizar por veículo incendiado

Da Revista Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/)


Por ter seu carro novo incendiado duas vezes devido a um erro no catalisador, o jornalista Paulo Roberto Rozani conseguiu, na Justiça, que o veículo fosse trocado por outro zero quilômetro, além de receber indenização por danos morais de R$ 7 mil. E mais: danos materiais por ter ficado sem carro por quase dois meses. O valor da indenização ainda será apurado em liquidação, mas será proporcional ao “preço médio diário de locação de um veículo nas mesmas condições do seu automotor”, de acordo com a 1ª Vara Cível do Foro Regional IV da Lapa, em São Paulo, em ação movida contra a Ford Motors do Brasil e a revendedora CGD Automóveis. A notícia é do site Espaço Vital. Ainda cabe recurso.

O problema com a picape Ford Courier, comprada em 2005, ocorreu um mês após sua aquisição, quando o assoalho do veículo, em movimento, pegou fogo. Como a picape estava na garantia, foi levada à concessionária, que constatou defeito no catalisador. A peça foi substituída. Depois de algum tempo, o veículo pegou fogo novamente.

O jornalista pediu à montadora a troca do veículo por outro novo, já que ainda vigia a garantia prevista no Código de Defesa do Consumidor, o que foi negado. A picape ficou na concessionária sem que o problema fosse resolvido.

Por isso, o jornalista decidiu entrar na Justiça, em fevereiro de 2006, patrocinado pelos advogados Paulo Ribeiro e Marcelo Di Chiacchio. Avaliações do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de São Paulo comprovaram, segundo a sentença, que o defeito era de fabricação.

Em junho de 2006, uma antecipação de tutela já havia determinado que a montadora colocasse outro automóvel à disposição de Rozani.

Na notícia publicada no Conjur há cópia integral da sentença: (http://www.conjur.com.br/2010-abr-12/ford-obrigada-indenizar-consumidor-veiculo-pegou-fogo)

Falta de clareza em cláusula contratual obriga seguradora indenizar

Da Revista Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/)

Seguradora é obrigada a indenizar microempresa

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que objeto do contrato deve estar explícito e ter clareza semântica para evitar duplo sentido. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça negou o pedido da seguradora Sul América, que ficou obrigada a indenizar uma microempresa de informática pelo furto de objetos segurados. O ministro Luis Felipe Salomão entendeu que a cláusula que previa cobertura somente para furto qualificado não era clara.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que o CDC abarca expressamente, no seu artigo 2º, a possibilidade de pessoas jurídicas figurarem como consumidores. Como a microempresa contratou os serviços da seguradora para proteção de seu patrimônio contra incêndio, danos, roubo e furto, o relator constatou que a destinação do seguro é pessoal para a contratante e não para seus clientes, circunstância que caracteriza a empresa como consumidora.

Os artigos 6º, inciso III, e 54, parágrafo 4º, do CDC estabelecem que o consumidor tem direito à informação plena do objeto do contrato. Segundo o ministro Salomão, o esclarecimento contido no contrato sobre a abrangência da cobertura não satisfaz as exigências do CDC quanto à clareza das cláusulas limitadoras.

O relator afirmou no voto que se mostra “inoperante a cláusula contratual que, a pretexto de informar o consumidor sobre as limitações da cobertura securitária, somente o remete ao texto da lei acerca de tipicidade do furto qualificado, cuja interpretação, ademais, é por vezes controvertida até mesmo no âmbito dos tribunais e da doutrina criminalista”.

Ao manter a condenação da Sul América, o ministro Salomão observou que nem mesmo os prepostos da seguradora possuíam conhecimento suficiente acerca da distinção entre furto simples e qualificado. “Indagados sobre o tema, responderam, em síntese, que ‘no furto qualificado há vestígios, o que não há no furto comum’”. Todos os ministros da Quarta Turma acompanharam o voto do relator.

Depois de ser condenada em primeira e segunda instâncias, a Sul América recorreu ao STJ. Sustentou que a empresa de informática não se enquadra no conceito de consumidor e insistiu na validade da cláusula que previa cobertura apenas de prejuízos decorrentes de furto qualificado. A seguradora alegou que ninguém pode deixar de cumprir a lei a pretexto de desconhecê-la, razão pela qual “pouco importa se a população em geral não sabe diferenciar furto de furto qualificado ou roubo”.

Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

STJ, Resp 814.060

Produtores rurais ingressam na justiça contra a cobrança do FUNRURAL

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

No mês de novembro a Receita Federal notificou diversos produtores rurais em todo o Estado a recolherem contribuição previdenciária sobre a produção rural, sob a alegação de que a Lei n. 11.718/2008 revogou a isenção até então existente no § 4º do Artigo 25 da Lei n. 8.212/91.

Trata-se da contribuição referente ao Funrural de pessoa física e que consiste na cobrança de 2,1% sobre a receita bruta mensal proveniente da comercialização de produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento e do produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira. No dia 30 de novembro de 2009, um grupo de produtores rurais de Chapadão do Sul ingressou com ações na Justiça Federal questionando a cobrança.

Representados pelos advogados Carlos José Reis de Almeida, Lucas Cabrera e Adalberto Morisita, os produtores chapadenses alegam que a cobrança do Funrural é inconstitucional, uma vez que o artigo 1º da Lei 8.540/92 teria criado nova forma de contribuição social sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção rural ao equiparar produtores rurais a segurados especiais. Esta equiparação se restringiria às empresas comerciais, industriais e prestadoras de serviços, não alcançando os empregadores rurais, pessoas naturais. Além disso, a norma não poderia ser criada por lei ordinária, mas sim por uma lei complementar à Emenda Constitucional 20/98. Esta situação contraria os princípios constitucionais da isonomia, da capacidade produtiva e da proporcionalidade.

Outro tema enfocado nas ações ajuizadas é o caso dos pecuaristas que estão sendo compelidos a recolher a contribuição previdenciária em todas as etapas da criação (cria, recria e engorda), enquanto a previsão legal é de que o recolhimento se dê apenas no momento do abate. Com este argumento, inclusive, a Acrisul – Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul ingressou com Mandado de Segurança Coletivo em favor de seus associados.

 
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