Ensino Jurídico - Diagnóstico e Perspectivas

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Fábio Trad, advogado, Presidente da OAB-MS (2007-2009)

Vai longe o tempo em que formar-se em Direito era garantia de um lugar ao sol. Hoje, formar-se em Direito é apenas uma condição necessária para competir. Não é mais certeza de espaço, mas a oportunidade de lutar para tentar um espaço. O que antes constituía a grande vitória, hoje resume-se a uma singela ultrapassagem no disputado circuito do mercado profissional

Alarga-se de forma desmedida a base estrutura do ensino superior no país. Na área do Direito, o alargamento chega a ser agressivamente desmedido. O diploma de ensino superior não é mais privilégio de poucos, porém a sua massificação implica na gradativa perda de seu valor no mercado. Os sintomas são evidentes: engenheiros-taxistas, físicos-garçons, psicólogas-secretárias, advogados-pequenos empresários, na mais profusa e contraditória mistura de vocações frustradas com ocupações possíveis. O diploma de graduação perdeu o encanto, o charme e o valor. Não é mais a chegada, apenas um intervalo. Em breve, muito breve, a forma de ser notado como detentor de um pequeno diferencial será o pós-doutorado.

Aos números: em 1960, o Brasil tinha 69 (sessenta e nove) cursos de Direito. Até ontem, dia 17 de setembro, já são 1046 (mil e quarenta e seis) bacharéis ao ano. Advogados brasileiros: 650.000 (seiscentos e cinqüenta mil). Nos EUA, o número de faculdades de Direito não ultrapassa a 200 (duzentos). Não fosse o Exame de Ordem, o Brasil teria aproximadamente 4.500.000 (quatro milhões e quinhentos mil) advogados esbarrando-se uns nos outros nas ruas, nos fóruns, nas praças, nos cantos e nas avenidas.

A Ordem dos Advogados do Brasil está tentando frear este processo de criação indiscriminada de cursos jurídicos no país. Ancora-se em uma operante Comissão de Ensino Jurídico, além de consolidar o “OAB Recomenda”, programa que procura informar a população brasileira apontando os cursos que apresentam bom desempenho obedecidos critérios técnicos. Mas é preciso avançar. A OAB tem apenas direito a voz no processo de avaliação da criação dos cursos jurídicos. Não tem poder de veto. O resultado é conhecido: muitos cursos, a maioria, autorizados pelo Ministério da Educação foram reprovados pela OAB.

Em cidade do vizinho estado de Mato Grosso, houve contemplação de vagas para curso jurídico como prêmio para quem acertasse o nome de músicas em programa de rádio. Na cidade de São Paulo, um curso de Direito funcionava no período compreendido entre meia-noite e cinco horas da manha em uma sala de cinema...

Urge repensar a metodologia do ensino jurídico. Não é mais possível teorizar absurdos em livros e salas de aula como se o acadêmico fosse um alienado da realidade. A energia intelectual do acadêmico deve estar sintonizada com a problemática do país e do mundo. Vejam, por exemplo, para onde é destinada a energia gasta pelos neurônios dos acadêmicos de Direito brasileiros: Tício e Mévio estão em dois barcos, um holandês, o outro espanhol; chocam-se no mar, Tício e Mévio disputam pedaços dos navios para não se afogarem, sendo que metade dos escombros é holandesa e a outra espanhola; Tício mata Mévio e no momento do golpe fatal, metade do corpo de Tício está em cima dos escombros do barco da Espanha e a outra metade do corpo escorada nos escombros do barco holandês. Detalhe: em alto-mar. E o doutrinador ainda tem a ousadia de perguntar: qual é o país com jurisdição para julgar o fato? Teoria e prática devem estar associadas, porque prática dissociada da teoria é o soluço improvisado da inconseqüência.

Teoria no curso de Direito é fundamental. A prática, indispensável. Por isso, impõe-se aproximar o acadêmico de sua realidade, ministrando aulas teóricas para o domínio da dogmática, sensibilizando a sua inteligência para aplicar a técnica com ética profissional, intelectual e senso de justiça. No Direito Penal e processo penal, por exemplo, cabe discutir os institutos jurídicos teorizados em aula com o apoio de casos semelhantes aos noticiados pela imprensa a fim de provocar a tomada de posição do futuro operador do Direito, compelindo-o a fundamentar, dissertar, verbalizar, discursar, acusar, defender, julgar, enfim pensar o seu próprio pensamento como senhor de sua idéia e não reprodutor da idéia de quem o doutrina. Sem medo, pois Direito só se aprende fazendo; como aprender a nadar: tem que ser na água...

Várias são as carências metodológicas detectadas nos cursos de Direito. Uma das mais graves é a insistência da grade curricular em absolutizar a dogmática em detrimento da reflexão crítica conjugada com princípios e normas abertas constitucionais. Ambas são compatíveis, pois a dogmática só tem sentido para a ciência jurídica a partir do momento em que o jurista a domina para superá-la, transformando-a em meio para a grande aventura que justifica a essência humana do fenômeno jurídico: o sublime e sagrado ofício de interpretar, revelando, o Direito. E, é certo, que não há fonte jurídica mais adequada para o exercício do pensamento crítico e a argumentação analítico-reflexiva que a Constituição federal, manancial tão inesgotável quanto inexplorado de possibilidades e perspectivas jurídicas. Deste modo, não mais Direito Civil, porém Direito Civil Constitucional; não mais Direito Penal, sim Direito Penal Constitucional; não mais Direito Tributário, mas Direito Tributário Constitucional.

O Direito é uma ciência que se aprende fazendo com um olho no livro e o outro na vida. E o coração? O coração deve estar totalmente entregue à missão de realizar a Justiça, pois o Direito nasceu para servir ao Homem e não o contrário.

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